A propósito de uma comitiva de cinco embarcações enviada pelo nosso rei D. Manuel a Roma com várias ofertas para o Papa Leão X, ofertas constituídas por animais e mercadorias exóticas trazidos de África e Ásia, José Manuel Saraiva, no seu romance Aos Olhos de Deus (ed. Oficina do Livro), relata que os jovens grumetes tinham relações com os marinheiros e que estes dispunham daqueles a seu bel-prazer. No entanto, tão sacratíssima empresa impunha que essa prática fosse suspensa, pelo que quem se dedicasse assim aos prazeres da carne seria punido na viagem de regresso (!). Argumentava o enviado de D. Manuel que tal pecado atentaria contra a origem do homem feito à imagem de Deus; contra-argumentava o capitão que se tratava de um costume que vinha de longe e aventou a hipótese de ser feito às escondidas. Nada feito, porque Deus estava em toda a parte, até debaixo dos tombadilhos. Eis como esta invulgar capacidade de estar em toda a parte pode salvar os grumetes adolescentes. Mas, não se salvando todos os jovens e crianças do mundo, significará isso que, na quase infinitude do espaço e dos lugares e das partes a visitar, estará Ele, então, menos atento? Desatento quer dizer distraído? Distraído quer dizer selectivamente indiferente? Embarcados nesta viagem de perguntas, não se safa quem decretou a certeza inquestionável dalguns dogmas.
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