Interessante, apesar de ter ficado apenas enunciada e não desenvolvida, a valorização que Saramago associa à figura do Autor contra a figura "academicamente abençoada" do Narrador. A morte do autor tinha sido defendida pelas correntes estruturalistas dos finais do século XX, uma morte que vinha na sequência das mortes de Deus (Nietzsche), do sujeito consciente (Freud e Lacan) e do homem enquanto centro da criação e senhor da História (Darwin, Marx, Lévi-Strauss, Althusser), tudo constituindo uma dolorosa série de feridas narcísicas. A morte do autor, nos estudos literários e linguísticos, fora acompanhada por uma autonomização do texto enquanto estrutura produtora de sentido e pela valorização do narrador (ou narratário). Porém, como todas as modas, também o estruturalismo acabou por cair em desgraça, apesar duma loquaz produção e de ter reunido à sua volta brilhantes pensadores como Barthes, Derrida ou Foucault. Da morte de Deus (Dieu est mort, Marx est mort et moi-même je ne me sens pas très bien...) passou-se à reivindicação do seu advento, do mesmo modo que da morte do homem se passou à sua defesa e dos seus direitos.
Ora, não deixa de ser muito interessante a reflexão que Saramago nos deixou, enunciada nos seus termos mais elementares mas nem por isso menos sugestivos, sobre a relação autor / narrador. Veja-se a propósito a entrada de 9 de Agosto de 1996 nos Cadernos de Lanzarote - Diário IV (Ed. Caminho, 1997, pp. 191-196). É que o apagamento do autor perante o narrador, pode significar a sua resignação ou demissão perante os compromissos inadiáveis próprios dum intelectual total (Sartre) num mundo ainda de desigualdades gritantes e que não pode esquecer a Humanidade que sofre apesar das loas do neo-liberalismo e do pensamento único. É que o autor que se escreve e descreve na sua obra será sempre um combatente ou um desistente, para a nossa alegria ou para a nossa fúria.
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