No início de A Grande Ruptura - a natureza humana e a reconstituição da ordem social (Lisboa, Quetzal Editores, 2000), Francis Fukuyama questiona-se sobre o facto de as democracias da América Latina seguirem o modelo constitucional dos Estados Unidos sem conseguirem alcançar os mesmos resultados em termos de estabilidade política e eficiência económica. Fukuyama considera que devemos procurar um princípio de explicação nos valores culturais que enformaram a tradição política e não no mero decalque do sistema político-constitucional. Ora, ao nível das raízes históricas e culturais deveremos ter em conta o contributo modelar do protestantismo que, ao mesmo tempo que reforçaria o individualismo americano, também impulsionariam o que Alexis de Tocqueville chamou «a arte da associação» americana, a forte tendência da sociedade americana para se auto-organizar em milhentas associações voluntárias e comunidades. Aliás, o próprio individualismo também exprimiria a vitalidade da sociedade civil americana, já que esse individualismo sublinha a autonomia e auto-suficiência das comunidades locais face ao Estado. Esta característica essencial da sociedade norte-americana explicaria o êxito da democracia norte-americana. E, por oposição, o relativo fracasso das democracias da América Latina. É que aqui os valores culturais enformadores destas sociedades não foram causados pelo protestantismo, mas pelas tradições imperiais e católicas de Portugal e Espanha. E aqui, em vez das comunidades locais se auto-organizarem, temos uma sociedade civil inerte, indiferente, com medo de existir e sempre dependente do Estado central, perante quem se habituou a viver de mão estendida.
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